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Aprendizado, Território e Saúde Mental: o desafio da sala de aula

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Marcio Farias e Leticia Prado


A escola é um microcosmo da sociedade e de sua comunidade. Compõe o território e sua cultura. Ainda que, em muitas circunstâncias, as comunidades não interajam com a escola a partir dessa perspectiva comunitária, a escola integra (ou deveria integrar) a relação da comunidade com seus direitos a aprender e se desenvolver. Enquanto estabelecimento destinado ao ensino coletivo, sua função ética é promover a formação e o desenvolvimento de cada indivíduo em suas dimensões políticas, culturais, sociais e cognitivas. 


Porém, escola também é uma espécie de escoadouro dos dilemas, conflitos e contradições de uma dada comunidade. Deste modo, os dilemas globais e locais exercem uma função dinâmica nas unidades escolares, convocando seus múltiplos agentes a refletir constantemente sobre se a escola deve absorver essas demandas sociais e, então, entender que sim, como?


Portanto, como espaço que canaliza as potências, mas também os desafios do território em que está inserido, um elemento central na busca de soluções aos atuais desafios no ambiente escolar passa por entender as questões sociais, suas características histórico-culturais e suas dimensões subjetivas.


É nesse complexo de articulações que se insere e se deve pensar o tema da saúde mental no ambiente escolar, visto que se trata de um problema - e uma demanda - social e coletiva.


O tema da saúde mental no ambiente escolar historicamente teve como ênfase o aluno, a partir da queixa escolar. Ou seja, com ênfase no processo de ensino aprendizagem, focou-se no aluno, ora a partir de perspectivas conservadoras que buscavam no indivíduo as razões de suas dificuldades de aprendizagem, ora por perspectivas críticas que abordam o fracasso escolar a partir de uma leitura multideterminada e holística. Ambas, no entanto, ficavam no aluno e, com isso, negligenciaram os demais agentes escolares e seus processos de subjetivação no ambiente escolar. 


É recente, nesse sentido, o olhar crítico para os processos de subjetivação do professor no ambiente escolar. Fruto de um debate público pautado pelos próprios docentes, vem tentando evidenciar a situação crônica que envolve o sofrimento e o adoecimento psíquico do professorado. Processo antigo que paulatinamente foi acometendo parte da categoria que atua na educação pública, tornou-se nos últimos anos um grande problema de saúde pública é um tema político a ser refletido.


Fruto do desdobramento do avanço neoliberal sobre a agenda pública, o sucateamento da educação pública se reflete de maneira a tornar o ambiente de trabalho para o professor inóspito, hostil e insalubre. Primeiro, pela baixa remuneração para profissionais com formação superior. Soma-se a precarização das relações de trabalho. No estado, por exemplo, não há concursos públicos para docentes desde 2013. Desde então, o professorado tem sido admitido a partir de contratos temporários. E mesmo entre os temporários há diferenças que tornam ainda mais precária as relações de trabalho. 


Além das condições de trabalho, a estrutura física também é um dos aspectos que influi na dimensão subjetiva da relação professor com o aluno. As escolas se assemelham às prisões, com grades por todos os lados, agentes escolares responsáveis por abrir e fechar portões entre os ambientes da escola. Nesse sentido, numa lógica que trata o aluno como um potencial agente perturbador, e professor, nessa arquitetura, é convidado a ser mais um agente punitivista na formação educacional. 


Na relação com a comunidade, a ausência dos familiares no ambiente escolar é mais um fator agravante para a sobrecarga de docente, que se vê sozinha no processo de formação de alunos.

Essa se agrava diante de uma conjuntura de recrudescimento político em que a comunidade passa a ver e docente como um inimigo, um doutrinador político de ideias subversivas que corrompem a família e a religião. 


Um outro fator que tem provocado sofrimento psíquico do professorado é a implementação de plataformas digitais que visam substituir atribuições outrora do professor, os sobrecarregam de demandas e tiram o papel criativo da docência, influindo inclusive na autonomia e liberdade de cátedra. 


Poderíamos citar outros aspectos que precisam ser refletidos para se pensar a saúde mental do professorado, tais como a violência e como ela se reflete no ambiente escolar, a reforma do ensino médio – que trouxe prejuízo na formação básica geral dos estudantes e fez com que professores deixassem de atuar em suas disciplinas específicas ou correlatas e passassem a ministrar disciplinas inventadas para atender uma suposta demanda do mercado – a relação de fiscalização e controle do governo por meio de equipes gestoras, etc. 


Todos esses aspectos precisam ser submetidos ao escrutínio de análise que intersecciona raça, classe, gênero e sexualidade como marcadores sociais da diferença. Esses marcadores são analisadores importantes para se entender aquilo que é comum a classe, mas também as diferenças de ponto de partidas e chegadas de indivíduos oriundos de grupos sociais subalternizados. 


Pois bem, como alternativa, a partir do exposto, não há segredos: o caminho se faz ao caminhar. Soluções coletivas para problemas que são coletivos.


A comunidade, que envolve o território e seus agentes, precisa ir ao encontro das unidades escolares e dialogar. É fundamental que as entidades de bairros, as associações, os grupos culturais, os movimentos sociais e demais agentes políticos se irmanam em solidariedade ao professorado. Não se trata da saúde mental sem reverter o quadro em que o ensino público está. É preciso reverter a forma como a sociedade interage com a escola e com o professor.


Por fim, em termos de cuidado mais imediatos, os serviços e equipamentos públicos de saúde do território precisam pensar estratégias específicas para o atendimento do professorado, bem como as diretorias regionais de ensino, secretarias municipais e estadual, prefeitura e governo do estado, os agentes legislativos e o próprio terceiro setor também podem articular espaços como rodas de conversas, rodas terapêuticas e espaços de discussão crítica sobre educação como ações emergenciais.





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