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Vozes da Periferia: Etnografia do Observatório Ibira 30

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Marcelo Zarzuela Coelho

Articulador Institucional Bloco do Beco e Fundador do Observatório Ibira 30


A produção de conhecimento pela periferia e para a periferia é um movimento de emancipação e reposicionamento no campo do saber. Historicamente, os territórios periféricos foram observados a partir de lentes externas, muitas vezes com um olhar colonizador, estigmatizante ou limitado a narrativas de carência e violência. Esse paradigma começa a ser desconstruído quando os próprios sujeitos periféricos assumem o papel de pesquisadores, intelectuais e narradores de suas realidades, utilizando suas experiências como base para a construção de saberes.

Quando a periferia produz conhecimento sobre si mesma, ela desafia as estruturas tradicionais de validação do saber, que frequentemente desconsideram o cotidiano, a oralidade, os saberes ancestrais e as práticas comunitárias como fontes legítimas de análise e reflexão. 


É um processo de valorização das experiências vividas, das soluções criadas em contextos de adversidade, e das culturas locais como epistemologias próprias e potentes. Nesse sentido, o ato de produzir conhecimento não é apenas técnico ou acadêmico; é, como afirmamos anteriormente, um ato político que ressignifica a relação da periferia com os espaços de poder e a narrativa pública.

No caso do Observatório Ibira30, a periferia não é apenas o objeto de estudo, mas o sujeito ativo que investiga, interpreta e comunica os resultados.


Essa perspectiva traz um diferencial fundamental: os moradores, pesquisadores e colaboradores não olham para o território a partir de um ponto de vista neutro ou distante, mas sim de um lugar de envolvimento afetivo, pertencimento e profundo conhecimento das dinâmicas locais. 

Essa proximidade gera análises mais sensíveis e alinhadas às necessidades do território, além de um maior comprometimento em transformar as percepções em ações concretas.

Ao construir saberes a partir da periferia, também se amplia a capacidade de compreender a complexidade e a diversidade que permeiam esses territórios. A periferia é plural, e as narrativas que emergem de suas comunidades oferecem leituras multifacetadas de suas realidades. Esse movimento rompe com a visão homogênea muitas vezes atribuída a esses espaços e revela a riqueza cultural, social e política que pulsa em cada esquina. Além disso, reafirma a potência transformadora da própria periferia, mostrando que ela não é apenas destinatária de políticas públicas, mas protagonista na construção de soluções que afetam positivamente seus próprios territórios.


Por fim, quando a periferia toma as rédeas de sua narrativa, ela não apenas transforma sua relação com o próprio território, mas também provoca mudanças no imaginário coletivo da sociedade. Essa produção de conhecimento não beneficia apenas o local onde é gerada; ela contribui para a construção de um país mais justo, que reconhece as vozes historicamente silenciadas e que se enriquece a partir das experiências de todos os seus cidadãos.


A pesquisa é, acima de tudo, uma construção coletiva da juventude. O Bloco do Beco, através do Observatório Ibira30, adota como perspectiva central o trabalho com jovens, integrando múltiplas formas de saber para a produção de conhecimento. Neste processo, jovens adolescentes e jovens adultos se envolvem ativamente, cada um contribuindo com suas habilidades, vivências e interesses, transformando a pesquisa em um espaço vivo de troca e aprendizado.


O Observatório Ibira 30, enquanto braço de pesquisa do Bloco do Beco, estrutura-se como um espaço de fortalecimento da juventude, reconhecendo-a não apenas como destinatária das ações culturais e sociais, mas como protagonista na construção do saber. A pesquisa, neste contexto, é um ato de engajamento e afirmação, onde diferentes trajetórias se encontram para registrar, interpretar e compartilhar experiências da comunidade. Alguns desses jovens se dedicam especificamente à pesquisa acadêmica, enquanto outros atuam na cultura e na arte, juntos construindo um documento que reflete as múltiplas vozes e perspectivas presentes no nosso território.

A integração de diversas formas de conhecimento – desde o saber acadêmico até as experiências cotidianas, a oralidade e as expressões artísticas – permite que a juventude reconfigure narrativas e construa novas leituras sobre sua própria realidade. O Bloco do Beco incentiva a autonomia desses jovens, estimulando a organização de coletivos e redes colaborativas que atuam na preservação e difusão da cultura popular, ao mesmo tempo em que reivindicam seus direitos e lugares de fala.


A pesquisa, portanto, não é apenas um meio de registrar informações, mas um processo que fortalece identidades, promove o pertencimento e amplia horizontes. Ao integrar o saber formal e as práticas culturais, os jovens envolvidos neste projeto transformam sua vivência em conhecimento, reafirmando o papel da juventude na construção de um futuro mais consciente, crítico e coletivo. 


Neste processo, o Observatório Ibira 30 também estimula a valorização e troca de saberes intergeracionais, onde o aprendizado se dá por meio da prática, do diálogo e da imersão na cultura popular. O diálogo com os mais velhos é essencial nesse processo, pois possibilita um aprendizado que transcende os registros formais e se ancora na vivência e na oralidade.


Através desse intercâmbio, o passado, mesmo que recente, é revisitado com novos olhares, permitindo compreender as mudanças e desafios do presente de maneira mais profunda e conectada com a história da nossa comunidade.





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